A organização tradicional dos sistemas de arquivos Linux, com diretórios como /bin, /usr/bin, /lib/lib e outros, é resultado de um processo evolutivo que se iniciou com o desenvolvimento do Unix, o antecessor do Linux. E continua sendo relevante e utilizada na maioria das distribuições.
Essa estrutura hierárquica de diretórios foi concebida para organizar os arquivos de forma lógica e eficiente, numa organização em árvore que facilitava a localização e o gerenciamento de arquivos. Cada diretório tinha uma função específica (exemplo):
/bin - comandos essenciais para o sistema (ls, cp, rm, etc.)
/usr/bin - outros comandos específicos de aplicativos.
/lib - bibliotecas compartilhadas
/etc - arquivos de configuração do sistema.
Além de melhor organizados, a separação dos arquivos em diferentes diretórios permitia uma melhor modularidade do sistema. E essa estrutura se tornou um padrão entre o Unix e Linux, facilitando a portabilidade de software entre diferentes sistemas.
A organização dos diretórios no Unix evoluiu até originar a Filesystem Hierarchy Standard (FHS) que padronizou a estrutura de diretórios do Linux, garantindo maior compatibilidade entre diferentes distribuições. A estrutura de diretórios do Unix foi usada para manter a compatibilidade entre este o Linux. E a FHS, entre as distros entre si.
A estrutura se tornou uma convenção, e muitos administradores e usuários estão familiarizados com ela. A separação dos arquivos em diferentes diretórios continua sendo uma forma eficaz de organizar o sistema. Milhares de programas foram desenvolvidos com base nessa estrutura, e alterá-la drasticamente quebraria a compatibilidade dos mesmos.
Com o tempo, a estrutura básica - resultado de décadas de evolução e busca pela otimização e padronização - foi adaptada para atender às necessidades de novos softwares e funcionalidades. Por exemplo, o diretório /usr/local foi introduzido para permitir a instalação de software sem privilégios de root.
Mas se é bom por que mudar?
Mesmo sendo uma estrutura sólida e amplamente utilizada, a Filesystem Hierarchy Standard (FHS) necessita de mudanças para atender ao surgimento de novas tecnologias, como containers, que exigem uma estrutura de diretórios mais flexível e eficiente para gerenciar múltiplos ambientes isolados.
A evolução dos sistemas de arquivos, como Btrfs e ZFS, oferece novas possibilidades para a organização de dados, mas também exige adaptações na FHS.
A virtualização em larga escala exige uma estrutura de diretórios que permita um gerenciamento eficiente de múltiplos sistemas operacionais em um mesmo hardware. A migração de aplicações para a nuvem exige uma estrutura de diretórios que se adapte aos modelos de armazenamento e distribuição de arquivos na nuvem.
Softwares modernos têm requisitos diferentes em termos de organização de arquivos e configurações. A FHS precisa acompanhar essas mudanças para garantir compatibilidade e eficiência. A busca por uma experiência de usuário mais intuitiva e consistente também acarreta mudanças na organização dos arquivos.
Todos esses motivos mais a complexidade crescente dos sistemas operacionais, exige uma constante revisão da FHS para simplificar a administração e a manutenção das várias distribuições Linux.
Quais são as possíveis mudanças na FHS?
Como base nos parágrafos anteriores, não é difícil inferir quais mudanças fazem-se necessárias no FHS. Por exemplo, alguns diretórios podem ser reorganizados ou removidos para simplificar a estrutura e novos podem ser introduzidos para acomodar novas tecnologias e funcionalidades.
Os links simbólicos podem ser utilizados de forma mais ampla para criar uma estrutura de diretórios mais flexível e dinâmica. A padronização de metadados pode facilitar a busca e a indexação de arquivos.
E aqui se encaixa o Usr-Merge como tentativa de redesenhar a estrutura tradicional do sistema de arquivos Linux e atender a essas demandas da modernidade.
O Usr-Merge como resposta
O Usr-Merge é uma abordagem inovadora para a organização do sistema de arquivos. Em vez de espalhar os arquivos do sistema por diversos diretórios, como “/bin”, “/usr/bin”, “/sbin” e outros, o Usr-Merge busca consolidar todos esses arquivos sob a árvore “/usr”.
O Usr-Merge cumpre seu papel utilizando links simbólicos apontando para os arquivos e diretórios originais. Isso significa que os arquivos não são fisicamente movidos, sendo acessados através daqueles.
A estrutura do sistema de arquivos fica mais limpa e fácil de entender, facilitando a compatibilidade entre as distribuições, pois a maioria dos arquivos estará localizada no mesmo lugar. Simplifica tarefas de administração e manutenção, agiliza e torna mais confiáveis as atualizações do sistema.
A instalação de programas se torna mais fácil, pois todos os arquivos são colocados em um único local. Fazer backups do sistema se torna mais simples, pois menos diretórios precisam ser incluídos. Aplicações podem ser mais facilmente portadas para outras distribuições que utilizam o Usr-Merge.
O Solus OS foi uma das primeiras distribuições a adotar o Usr-Merge, buscando oferecer uma experiência de usuário mais simples e eficiente. No entanto, a implementação inicial enfrentou alguns desafios, como problemas com o gerenciador de pacotes e a criação de links simbólicos.
Nem tudo são flores
Muitos programas possuem configurações que fazem referência direta aos caminhos tradicionais dos arquivos. Adaptar essas configurações para a nova estrutura pode ser um processo complexo e demorado.
Scripts e ferramentas de administração do sistema podem precisar ser ajustados para funcionar corretamente com a nova estrutura. Algumas bibliotecas podem ter hardcoded os caminhos para os arquivos, o que pode causar problemas de compatibilidade.
Migrar um sistema existente para o Usr-Merge envolve um processo cuidadoso e pode ser complexo, especialmente em sistemas grandes e com muitas dependências. A migração pode introduzir novos problemas e instabilidades no sistema, se não for realizada corretamente.
Os gerenciadores de pacotes precisam ser adaptados para lidar com a nova estrutura de arquivos e garantir que as dependências sejam instaladas corretamente. Podem surgir conflitos entre pacotes que assumem a estrutura tradicional e aqueles que utilizam o Usr-Merge.
A utilização de links simbólicos pode introduzir um pequeno overhead de desempenho, embora geralmente seja insignificante. Em alguns casos, o acesso a arquivos através de links simbólicos pode ser ligeiramente mais lento do que o acesso direto.
A implementação do Usr-Merge envolve diversos detalhes técnicos, como a criação e o gerenciamento de links simbólicos, a resolução de conflitos e a otimização do desempenho.
Apesar desses desafios, o Usr-Merge representa uma oportunidade de simplificar a estrutura do sistema de arquivos e melhorar a experiência do usuário. A comunidade Linux continua trabalhando para superar esses obstáculos e torná-lo uma realidade.