Sempre fui usuário de distros como Debian e Arch Linux, e nunca tinha tido vontade nem de pesquisar sobre Gentoo. Até que, em uma conversa com colegas sobre distros, fiquei curioso e decidi embarcar nessa aventura. Quero contar um pouco sobre o que é essa distro, como tem sido minha experiência utilizando a distro em um pouco menos de duas semanas, algumas possibilidades e porque acredito que vou ficar com ela por um bom tempo.
Para começar, o Gentoo se descreve como uma metadistribuição, e isso é crucial para entender sua essência. A diferença está no fato do sistema permitir que você não só instale pacotes pré-compilados (os binários), mas também construa, configure e personalize tudo “do zero” usando o Portage (gerenciador de pacotes). Em vez de oferecer um conjunto fixo de pacotes com opções limitadas, o Gentoo fornece um framework completo (ebuilds + Portage) que serve de base para criar distribuições customizadas, adaptadas a diferentes arquiteturas, perfis de uso e preferências de compilação.
Isso é outro nível de personalização. Lembro que o próprio canal Diolinux já comentou em alguns vídeos a dificuldade de analisar o Arch Linux por não ter um padrão pré-estabelecido (embora hoje isso tenha sido resolvido em partes com o archinstall). Já o Gentoo é impossível de ser analisado kkkk, porque ele pode ser literalmente o que você quiser. Quer um sistema sem suporte a 32 bits? Dá. Prefere usar OpenRC em vez de systemd? Dá. Deseja um sistema 100% Wayland (ou 100% X11)? Dá. Até trocar a glibc por musl é possível. Isso vai muito além de escolher entre GNOME ou Plasma via binários: no Gentoo, você pode até personalizar o código fonte desses ambientes. Você basicamente cria sua própria distro.
Tive um choque a primeira vez descobrindo a enormidade de coisas para escolher e mexer, mas admito que isso me motivou a querer descobrir mais sobre tudo que poderia fazer com isso.
Wiki
Um sistema que oferece controle tão granular precisa de uma documentação sólida. Na minha opinião, a Gentoo Wiki é a melhor do mundo Linux. Lá você não só aprende a instalar o Gentoo, mas também entende melhor como o Linux funciona. A wiki é didática e te prepara para tomar decisões — afinal, o Gentoo não decide nada por você. Ele sugere caminhos, mas espera que você assuma o controle e defina o rumo do seu sistema.
Rolling release sem dores de cabeça
Um problema que tive com Arch e outras rolling releases é a dificuldade de “congelar” versões específicas de software sem quebrar o sistema, algumas vezes você precisa “parar” e ter uma versão específica de software para determinada situação. No Arch, até dá para “pinar” um pacote, mas a documentação alerta que atualizações parciais não são suportadas e você estará “a sua sorte”. No Gentoo não preciso me preocupar com isso. Através de recursos como o mask, posso bloquear a atualização de pacotes específicos basicamente pelo tempo que precisar. Como quase tudo é compilado da fonte, você escolhe quais dependências entram no sistema, sem se preocupar com compatibilidade entre binários ou conflitos.
Um exemplo: sou usuário do KDE Plasma e sei que versões 6.x.0 costumam ser bugadas. No Gentoo, poderia “mascarar” o Plasma até sair a 6.x.1 sem stress.
Para completar o controle sobre suas atualizações, o Gentoo oferece um controle refinado sobre a estabilidade e a atualização dos pacotes. Por padrão, o sistema utiliza a branch stable, que fornece versões de software consideradas mais testadas. No entanto, para quem deseja acesso a versões mais recentes, é possível optar pela branch testing (indicada por ~amd64
, ~arm64
, etc.), que disponibiliza pacotes mais atualizados. Essa escolha é configurada por meio da variável ACCEPT_KEYWORDS no arquivo /etc/portage/make.conf
. Também dá pra fazer uma abordagem híbrida, mantendo o sistema na branch stable e selecionando pacotes específicos da branch testing (eu mesmo faço isso). Essa flexibilidade faz do Gentoo uma verdadeira rolling release, adaptável tanto para quem busca rock-solid stability quanto para quem quer as últimas novidades.
Tirando o elefante da sala
Vamos falar das compilações. Vale a pena gastar horas compilando tudo por uma otimização mínima? Depende do seu objetivo. Usando o sistema pude compreender que às vezes, compilar não tem a ver com performance, mas com customização. As USE flags permitem ativar/desativar funcionalidades e dependências durante a compilação. Por exemplo: você pode remover suporte a Bluetooth de um programa se for desnecessário para reduzir seu tamanho ou até mesmo adicionar suporte à aceleração de hardware apenas naquele programa específico. Quanto à otimização, é verdade que as diferenças são pequenas hoje em dia, mas ainda há casos em que compilar para sua máquina específica faz sentido.
Se você não liga pra isso, tranquilo. O Gentoo oferece pacotes binários para softwares pesados (navegadores, kernel, etc.), principalmente após o lançamento do Gentoo Binary Host em 2023. Isso ajuda quem tem hardware modesto ou quer agilizar a instalação. No fim, você decide: compilar tudo, usar só binários ou misturar os dois. O Gentoo é majoritariamente source-based, mas sua verdadeira essência está nas possibilidades que oferece.
O Gentoo é pra você?
Pode ser. Se você quer controle total, aprender mais sobre GNU/Linux e montar um sistema exatamente do seu jeito — seja para servidor, jogos, programação ou uso diário —, o Gentoo é imbatível. Não há nada igual (fora o Linux From Scratch, que considero mais educativo que prático).
Se depois dessa explicação você ainda não vê motivo, talvez não seja pra você — e tudo bem! O Gentoo não é pra quem tem pressa, é pra quem sabe o que quer e onde quer chegar.
A instalação demora, isso pode assustar no começo e ser uma barreira. No meu laptop com Ryzen 5 3500U, 12GB RAM e SSD SATA, levei 9 horas para o primeiro boot (sem ambiente gráfico), compilando tudo menos o kernel. Usando o binhost, seria bem mais rápido… mas na primeira vez não prestei atenção nisso.
Construir o sistema leva um tempo também, o ideal não é você fazer tudo logo de cara, e sim ir adicionando camadas aos poucos até chegar na “perfeição”. Mas depois de montado… é só manter, nesse sentido ele não é diferente de qualquer outra rolling release - tenha um planejamento pra fazer suas atualizações e elas ocorrerão bem. Às vezes pode vir uma ou outra atualização grande, mas não é como se você atualizasse o llvm
ou c-lang
toda semana.
Enfim, quis compartilhar minha jornada e desmistificar o projeto. O Gentoo não é uma distribuição perfeita — nenhuma é — mas o que importa é encontrar o que realmente resolve seus problemas, e ele tem cumprido esse papel para mim. Com ele, aprofundei muito mais meus conhecimentos em GNU/Linux e venho tendo uma experiência incrivelmente sólida e boa, o que me faz crer que ficarei com ele por bastante tempo.
Um canal que também me influenciou nessa jornada foi o Distro Hopper do Liquuid — o cara manja muito de Gentoo e acredito que tenha a maior série de vídeos sobre a distro no YouTube BR. Recomendo especificamente a série de vídeos a partir do episódio 209 (Instalando Gentoo em 2021).
Se quiser tentar, mergulhe de cabeça. Leia muito, teste opções e curta o processo!