Fazer greve contra Inteligência Artificial é fazer greve contra um gravador de voz

Fazer greve contra Inteligência Artificial é fazer greve contra um gravador de voz - Saulo Ferro, 2024.

Recentemente, em uma página de interesse geek no Instagram, houve uma publicação sobre uma manifestação contra IA. Comentei a frase do subtítulo e me deixei ser ridicularizado por cinco horas. Achei cômico, pois professores de filosofia criticaram meu comentário sem perceber que eu havia feito uma breve referência ao existencialismo: “isso é um cachimbo ou um desenho de um cachimbo?”.

Depois de um tempo, comecei a me defender. Expliquei sobre minha entrevista com 100 pessoas na faculdade onde cursei Jornalismo, das quais apenas 10 souberam responder o que é IA. Dessas 10, 5 eram estudantes de tecnologia, 3 eram entusiastas do tema e 2 pessoas souberam explicar pois tinham contato com algum parente profissional de TI.

Unindo as falas das dez pessoas que conseguiram “acertar” o que é IA, podemos traçar o significado semiótico como: “software de computador que, através da álgebra linear, tenta analisar padrões para cada cenário, como uma inteligência orgânica”. Confesso que fiquei feliz por encontrar 10 pessoas que meio que sabiam o que é IA.

Na discussão no Instagram, também comentei sobre as manifestações contra IA estarem com um discurso muito equivocado. São poucas manifestações desse tipo que entendem que demonizar uma ferramenta e ficar de cabeça abaixada para o patrão não faz sentido, pois é como culpar o gravador de voz por gravar a sua voz, sendo que você assinou um contrato que exigia o uso do gravador em troca de dinheiro. O que quis dizer com a polêmica frase foi que as manifestações contra Inteligência Artificial visam impedir a propagação da ferramenta apenas por não quererem usá-la, mas os grandes chefes de negócios estão cada vez mais encomendando a fabricação da ferramenta. Logo, o discurso dessas manifestações não está sendo efetivo, pois só priva os manifestantes de usarem o gravador, enquanto o chefe de negócios continuará encomendando a produção.

Com essa visão, consegui inverter a discussão, e agora vejo alguns nerdolas usando minha frase pelo Instagram. Espero que, pelo menos, eles tenham entendido um pouco do que venho estudando. E vocês do fórum? Tem alguma coisa a colaborar? Quero muito ver a opinião de vocês.

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Não tenho nada contra IA, acho inclusive que tem alguns usos interessantes, o problema é o exagero. O que me incomoda, e passou a incomodar cada vez mais ao longo dos anos, é essa mania de achar que tudo que é novo na tecnologia é estupendo, muito melhor do que o que tínhamos antes e tal. E já sabemos bem que desde que surgiram, de forma mais acessível, os computadores pessoais, a forma que se encontrou de manter a máquina girando era sempre vender tudo como se fossem super novidades e grandes avanços (e durante um certo tempo, isso até aconteceu). Afinal, toda empresa quer e tem que vender seus produtos para se manter na ativa. A tecnologia avançou muitos nos últimos anos e tudo que apareceu veio nessa onda de se vender com o mais novo sempre sendo o melhor e o resto é velho, ultrapassado. A IA nasceu e bebeu totalmente dessa fonte.

Falando especificamente da IA, acredito que é uma questão de tempo, uma hora essa encheção de saco de tudo ser IA vai dar uma diminuída. Vai acabar rolando um filtro natural disso. Agora a galera faz isso pra manter a IA na moda, no hype, pra conseguir arrumar dinheiro pra investimento, atiçar a curiosidade das pessoas e e por aí vai. Nessa onda atual da IA, eu acho que passou um pouco dos limites, vejo muita gente já cansada e meio inconformada com isso. Os posicionamentos mais radicais são muito por conta disso também. Acaba sendo um reflexo desse bombardeio de IA que tá todo mundo sofrendo 24 horas por dia.

Quero acrescentar ainda um outro ponto importante. A velocidade com que estão correndo atrás para desenvolver as IA’s é meio contra a nossa própria natureza. A gente sempre desenvolveu ferramentas ou tecnologias que causaram grande impacto. Porém, se for pesquisar os efeitos na história deles com calma, a maioria teve um tempo razoável de absorção, adaptação, aceitação ou entendimento daquilo. Essa “corrida do ouro da IA”, além desse marketing massivo insuportável, fica a todo mundo querendo a todo mundo se superar, criar o melhor, o mais revolucionário, o mais disruptivo etc. O que eu estou querendo dizer é: esse novo mundo da IA é muito marketeiro e discursivo e talvez esse seja um dos principais pontos que gera todos os problemas, reações etc.

Como falei no primeiro paragrafo, não tenho nada contra a IA, acho que tem usos interessantes. Porém, tenho ficado meio cético diante desse exagero gigantesco e esse bombardeio de IA. No meu dia a dia mesmo, ainda não tenho nenhuma ferramenta que se tornou efetivamente útil ou indispensável. As vezes até uso o Claude ou o ChatGPT da vida para alguma tarefa e já fiz uns testes com outras ferramentas também.

Enfim, dá pra escrever uma tese de doutorado ou um livro sobre isso. Tentei chamar atenção para alguns pontos que acho importantes para contribuir com o debate.

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Sim. Foram tantas Corridas do Ouro que a galera está fazendo desta uma espécie de roleta russa. Por isso que eu critique muitos movimentos contra IA, pois eles só reclamam sobre a ferramenta e não de quem está encomendando.
Sobre o livro, meu tcc foi sobre IA é jornalismo, mas não faria um livro nesse nicho pois IA é um tema lógico e jornalismo não.

Se por “greve” estiver entendido como movimento individual, então o correto seria “boicote”. Boicote funciona na cabeça de teóricos, mas na prática são raros os casos que dão certo.

Se por “greve” estiver se referindo ao movimento ordenado dos trabalhadores, então é válido sim. A greve é um dos modos mais efetivo de se conseguir melhores condições para os trabalhadores. Porém o alcance da greve é geralmente limitado, no sentido de que não adianta os trabalhadores da fábrica de vela fazerem greve contra o uso das lâmpadas elétricas.

Olhando de modo amplo pro movimento de ampliação de uso das IA’s, nenhum movimento grevista será capaz de afetá-la, a não ser que sejam dos trabalhadores dos datacenters. Uma greve destes trabalhadores pode gerar um aumento do salário deles, mas nem faz sentido fazer uma greve para acabar com o próprio emprego.

Enfim, não entendi como seria essa greve contra IA, não faz sentido dentro daquilo que eu entendo como greve. Talvez por isso a analogia de faz3r greve contra um gravador de voz esteja correta: também não faz sentido.

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Certo, você viu o discurso da greve contra IA na dublagem? Em nenhum momento eles apontaram a culpa para os chefes que através de contratos, começaram a usar IA. O movimento apenas demonizava a ferramenta, meses depois, a Globo ganha prêmios por usar IA na dublagem jornalística… Logo, o movimento de todos os dubladores (atores e jornalistas) foi contra um gravador e não contra os chefes.

Alguns exemplos dos EUA são greve recente do sindicato que inclui dubladores e atores de motion capture para jogos e no ano passado, do sindicato dos roteiristas, ambos em busca de cláusulas nos contratos que reduzam o impacto do IA nas estruturas de royalties e restrinjam as condições em que os dados podem ser usados para treinamento.

Vale notar que nenhuma das greves é puramente “contra IA”, até porque como já foi dito nesse tópico, isso é inviável; eles só buscam evitar cenários em que os dados que eles produzem sejam usados contra o próprio interesse deles.

Mesmo assim o treinamento e o progresso da tecnologia vai continuar, até porque há os dados já produzidos, os trabalhadores fora do sindicato e o interesse de investidores.

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Sim. Foi isso que eu quis resumir em minha frase. Contudo, as pessoas que me atacaram achavam que dominavam o tema, mas quando comecei a responder-las foram mudando de opinião.

Fazer greve contra Inteligência Artificial é fazer greve contra um gravador de voz, pois IA é uma ferramenta :wrench:, mas o discurso das pessoas tenta ridicularizar e culpar a ferramenta como se ela fosse a culpada, mas os culpados são os empregadores que não tem ciência de como os empregados vão ser afetados se substituir eles pela ferramenta.

Nessa frase eu tentei fazer alusão a revolução industrial, na década de 50 até meados de 60, existiam os acordadores de janelas ou portas, basicamente, era um serviço que você pagava para alguém lhe acordar batendo na sua porta ou na janela do seu prédio; hoje temos aplicativos de alarme nos celulares… Então teria vantagem ter greve dos acordadores contra aplicativos de alarmes? Bem, infelizmente, não.

Obrigado por contextualizar o tópico. Ness ponto o sindicato dos artistas seria a analogia da “greve na fábrica de velas”.

Assim posso entender a greve de um pequeno grupo organizado (os sindicatos de artistas) como a preocupação com um futuro no qual o trabalho deles estará em grande parte automatizado. Mas claro que não vai dar certo, é a organização de um pequeno grupo de trabalhadores “contra” uma nova tecnologia.

Quando há disruptura tecnológica, os trabalhadores tem que se organizar de forma unificada para obter as vantagens desse salto. Isso porque os detentores dos meios de produção já obtém a vantagem em seus próprios negócios e, a princípio, não irão aumentar salários, mas sim aumentar margens de lucro. O trabalhador poderia se beneficiar do aumento da produtividade pelo uso da IA através da redução da jornada de trabalho, por exemplo.

Claro que para se conseguir mudar relações de trabalho no nível do país, as pessoas precisam estar conscientes e agir em conjunto visando um objetivo. A realidade parece estar bem distante disso.

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Sim. Foi isso que eu venho tentando explicar (risos). A questão é que as pessoas fazem manifestações sem saber o que é IA, eu fiz pesquisa com 100 pessoas de distintas áreas e só 10 souberam explicar o conceito de IA… Logo, se não sabe nada soube o que está fazendo, a chance de vencer fica a sorte e como os gregos antigos já sabiam a deusa Tique não é muito justa; Tique é a deusa da sorte.

E isso é algo que as pessoas nunca iram entender, pois aconteceu na revolução industrial com os acordadores de janelas, hoje essa profissão foi substituída por alarmes dos celulares.

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o problema que este “gravador de voz” pode ser utilizado para automatizar muitas tarefas e, com isso, reduzir a necessidade de humanos para as realizarem.

obviamente que não é culpa da IA. é um fenômeno que ocorre de forma contínua em todo mundo. em alguns lugares, mais rápido. e este receio da IA foi por divulgar muitas coisas que ela nunca fará.

lá nos anos 80 o medo era dos robôs nas linhas de produção. trocentos anos depois, reduziu muitas vagas em várias áreas não mas não causou a estragaria que se pensava.

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Sim! E nas décadas de 40 até 50 havia os acordadores de janelas, e hoje nos temos alarmes e nossos celulares que fazem a mesma coisa que os acordadores… Isso se chama revolução industrial, nos estamos na terceira revolução, ela estava estagnada, mas agora voltou a se movimentar.

Bem, comparando vida de quem entrou no mercado de trabalho nos anos 60/80/2000 e 2020, dá pra ver que fica cada vez mais difícil conseguir um emprego que sustente uma família. A IA vai tornar mais difícil ainda para quem quer começar em algo, pois a IA consegue automatizar justamente o emprego de quem não é especializado, ou de alguém que estaria aprendendo. Já prevejo um início de carreira bem mais difícil pra molecada de hoje.

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Olha, você tem toda a razão.

Eu com vinte e dois anos, graduado e bilíngue não consigo um emprego, imagino para a galera mais nova.