O artigo publicado no Phoronix discute uma série de reversões de código que estão ocorrendo no X ultimamente, onde um grande número de commits (alterações de código) estão sendo desfeitas.
Grande parte dessas reversões está relacionada às contribuições problemáticas ou mal intencionadas realizadas por Enrico Weigelt, removido da comunidade FreeDesktop (que supervisiona o Xorg) e que criou o fork X11Libre.
Corrigiu-se problemas com avisos de direitos autorais e licenças que não foram tratados corretamente. O desenvolvedor em questão moveu macros de código para um novo arquivo, removendo os detentores de direitos autorais existentes e alterando a licença de “MIT AND X11” para “MIT OR X11”.
Desfez-se “limpezas” anteriores no RandR (uma extensão do Xorg para redimensionamento e rotação de tela) que acabaram quebrando a funcionalidade. Houve também uma reversão para evitar quebras desnecessárias no driver da NVIDIA.
Outras reversões foram feitas em códigos de valor questionável ou que foram alterados sem o conhecimento prévio sobre o porquê de certas macros adicionadas por outros desenvolvedores do X.
Uma situação problemática!
Enrico Weigelt foi um desenvolvedor ativo no projeto Xorg, contribuindo significativamente para o código-fonte. No entanto, ele foi removido da infraestrutura do FreeDesktop, o que gerou uma considerável controvérsia.
Após sua remoção, Weigelt afirmou que a Red Hat o censurou no FreeDesktop. Sua conta, repositórios Git, tickets e mais de 140 merge requests associados ao projeto Xorg foram removidos da infraestrutura do FreeDesktop. Ele interpretou isso como uma tentativa de silenciá-lo e impedir o desenvolvimento contínuo do X11.
Outros desenvolvedores, incluindo alguns empregados da Red Hat, alegaram que as contribuições de Weigelt muitas vezes não eram testadas, causavam quebras de funcionalidade e que o grande volume de seus merge requests (solicitações de mesclagem de código) dificultava a revisão de outras contribuições. Há relatos de que alguns de seus patches adicionavam pouco valor.
Weigelt expressou publicamente sua crença de que o desenvolvimento do X11 estava sendo “sabotado” por “elementos tóxicos” e “moles de grandes corporações” (como a Red Hat/IBM), com o objetivo de destruir o projeto e eliminar a competição para seus próprios produtos, referindo-se ao Wayland, que está sendo promovido como o sucessor do X11. Segundo ele, patches importantes não estavam sendo aceitos.
Como resultado direto de sua remoção e das divergências, ele criou um fork (ramificação) do servidor X, chamando-o de X11Libre e apresentando-o como uma alternativa independente do X11, livre de influência corporativa, e afirma que o projeto visa revitalizá-lo. E também convidou outros desenvolvedores a contribuir para o X11Libre.
Em algumas discussões, foi levantada a hipótese de que a remoção de Weigelt poderia estar ligada a uma violação do Código de Conduta, possivelmente relacionada a discussões em seu servidor Discord ou a suas críticas públicas à Red Hat e ao FreeDesktop.
X11Libre: o fork “anti-corporativo”
O X11Libre é um fork do servidor Xorg, coma finalidade de criar um projeto independente e livre de “influências corporativas”, com uma forte crítica à Red Hat. Weigelt acredita que o X11 ainda tem um papel importante a desempenhar e que seu desenvolvimento foi “sabotado” por empresas como a Red Hat em favor do Wayland. O X11Libre busca revitalizar o X11 com novas funcionalidades e melhorias.
O projeto visa “limpar” a base de código do X, removendo o que ele considera “dívida técnica” e código problemático. Curiosamente, a “limpeza” que está ocorrendo no Xorg principal (com reversões de código) é vista por Weigelt como uma confirmação de que suas preocupações sobre a qualidade do código eram válidas.
Ele acusa a Red Hat de exercer um controle excessivo sobre o FreeDesktop.org e o X.Org, direcionando o projeto para seus próprios interesses comerciais, abandonando o X11 em favor do Wayland. O X11Libre se posiciona como um bastião contra essa influência.
Weigelt já anunciou planos para o X11Libre, incluindo suporte à extensão Xnamespace (para isolamento de clientes), modernização do Xnest (migração para XCB e remoção de Xlib) e um sistema ABI flexível (para instalação simultânea de diferentes versões).
Red Hat: o foco no wayland e as acusações de sabotagem
A Red Hat é uma das maiores colaboradoras do ecossistema Linux, e muitos de seus desenvolvedores estão envolvidos em projetos-chave como o X e o Wayland. A empresa tem sido uma defensora e propulsora do Wayland como o futuro do sistema de exibição no Linux, o que naturalmente leva a um menor investimento no X11.
A Red Hat tem um plano claro para fazer a transição de suas distribuições (como o Red Hat Enterprise Linux - RHEL e o Fedora) para o Wayland como o servidor de exibição padrão. Isso é visto como um movimento em direção a uma arquitetura de exibição mais moderna, segura e eficiente.
A Red Hat reduziu o investimento no Xorg, embora contribua com correções de segurança e bugs críticos para clientes RHEL 9 que dependem do X11. O desenvolvimento de novas funcionalidades é mínimo. O RHEL 10, por exemplo, não incluirá o X, exceto pelo XWayland (que permite que aplicativos X11 legados funcionem sobre Wayland).
A Red Hat emprega muitos dos desenvolvedores que trabalham em projetos hospedados pelo FreeDesktop e essa presença e influência são interpretadas por críticos como um controle excessivo sobre a direção desses projetos. As ações recentes de remover a conta de Weigelt e reverter suas contribuições são vistas por ele como prova dessa “censura” e da intenção de “matar” o X11.
Embora a Red Hat não comente sobre as alegações de “sabotagem”, a perspectiva geral da comunidade de desenvolvedores é que as contribuições de Weigelt foram removidas devido a problemas técnicos (código com bugs, quebras de ABI, licenças incorretas) e possivelmente por questões de conduta, e não por uma conspiração para destruir o X11.
O Conflito
O cerne do conflito reside na divergência de visões sobre o futuro do sistema X Window. Enrico Weigelt acredita que o X11 deve continuar a ser ativamente desenvolvido e que a Red Hat o está impedindo por seus próprios interesses. Já a empresa vê o Wayland como o futuro e está concentrando seus recursos nessa transição, vendo o X11 como uma tecnologia legada que precisa ser mantida apenas para compatibilidade.
A criação do X11Libre é um reflexo dessa polarização, com Weigelt buscando criar um caminho alternativo para o desenvolvimento do X11 fora do que ele percebe como o domínio da Red Hat e seus aliados corporativos. Resta saber se o X11Libre conseguirá atrair desenvolvedores suficientes e apoio da comunidade para se tornar uma alternativa viável ao Xorg.