Ao analisar usinas hidrelétricas, estamos falando de muitos km² de área inundada, e não de um mero “alargamento”. No caso do reservatório de Itaipu, por exemplo, são 1.350 km².
Se você tivesse lido os artigos científicos que indiquei, teria visto que as usinas hidrelétricas podem até mesmo poluir mais que as termelétricas devido à decomposição de matéria orgânica e emissões das turbinas.
Junk e Melo (1990) indicaram que os 2.430 km² inundados pela represa de Tucuruí, por exemplo, soterraram 36.450.000 toneladas de matéria orgânica vegetal, cuja decomposição e liberação de gases ao longo do tempo equivale a queimar 45.600.000 toneladas de diesel. Levaria 37 anos para a hidrelétrica ter saldo positivo (passar a poluir menos que uma termelétrica). No caso da represa de Balbina, esse valor sobe para 107 anos (faz até algumas destrutivas usinas de carvão estadunidenses parecerem ecologicamente corretas).
O estudo de Queiroz e Motta-Veiga (2012) indicou que a usina de Tucuruí inundou muito mais que a área planejada. O desmatamento que deveria ser realizado não foi feito adequadamente e por isso há tanto impacto em termos de gases de efeito estufa. Impactos socioambientais também foram pouco considerados e a economia de todas as vilas que existiam à jusante foi destruída, aumentando índices de pobreza e causando exôdo rural suficiente para chamar a atenção do governo federal com relação à desocupação do Pará na época.
A Usina de Belo Monte, segundo Santos e Hernandez (2009), é outro exemplo clássico. A área de alagamento foi delineada de forma imprecisa e, novamente, houve um desastre para as populações locais, que tiveram seus direitos violados (muitas delas lutam até hoje na justiça por indenizações). A instalação da represa - que teve viabilidade técnica e econômica questionáveis - resultou no desequilíbrio hidrológico da região, com danos graves à biodiversidade. Quanto ao efeito estufa, levaria 41 anos para Belo Monte ter saldo positivo (passar a poluir menos que uma termelétrica).
Você condena muito as usinas que queimam carvão e petróleo (e condena com razão), mas…
“Pelo menos para a época dos inventários nacionais sob a Convenção de Clima (1990), todas as grandes hidrelétricas na Amazônia brasileira (Tucuruí, Samuel, Curuá-Una e Balbina) tinham emissões bem maiores do que a geração da mesma energia com termelétricas” (FEARNSIDE, 1995, 2002, 2005a,b, apud SANTOS e HERNANDEZ, 2009, p.110).
Você comentou sobre Brumadinho, que foi um crime terrível e com impactos que vão durar muito tempo. Mas se pegar essas hidrelétricas e considerar todos os impactos que provocaram, tanto para o meio ambiente quanto para dezenas (ou centenas) de milhares de pessoas e suas culturas, verá que os problemas não são triviais.
Problemas ocorrem no exterior também. Queiroz e Motta-Veiga (2012) indicaram que a usina hidrelétrica James Bay, no Canadá, inundou 11.000 km² de área (uma insanidade), sem realizar um estudo de impactos ambientais e considerar os povos que ali viviam. Como resultado, 11.950 índios foram removidos à força de suas terras e, diante da desagregação social, 75% deles não conseguiram exercer mais atividades de subsistência e os índices de doenças e suicídios dispararam. A região não era propícia para uma hidrelétrica (por isso precisou inundar uma área tão gigantesca) e o caso foi considerado praticamente um genocídio.
Há mais considerações que eu não havia descrito. Vale destacar que os peixes, por exemplo, são gravemente impactados e podem ser impedidos de se reproduzir durante a época da piracema (não conseguem escalar e passar pela represa, embora existam formas de mitigar isso). Além da perda de espécies, a pesca fica comprometida.
É claro que o impacto é variável e depende do nível de responsabilidade e análise ambiental ao construir cada instalação. Nem todas as hidrelétricas têm impactos tão grandes como as que mencionei, mas todas causam algum impacto (e é importante destacar isso). O Brasil tem muitas vantagens do ponto de vista energético, mas também tem muitos exemplos de como fazer tudo da forma errada (é possível mitigar - embora não eliminar - os impactos das hidrelétricas quando construídas e operadas corretamente).
Enfim, a literatura científica aborda bastante os impactos decorrentes de instalações hidrelétricas e é consenso científico que eles são relevantes e devem ser considerados. Isso não quer dizer que não devemos construir esse tipo de instalação, mas sim que isso deve ser feito com responsabilidade e ciência de que não é uma energia “limpa e infinita” como a mídia e o lobby em torno disso costumam pregar.