Toda vez que vejo uma questão como essa, fico vai-não-vai, e em 99% das vezes acabo optando por passar batido.
Hoje, já olhei umas 10 vezes… tentei fugir… mas acho que vou acabar botando minha mão no fogo.
Em toda discussão como essa, existe um “sujeito oculto” ─ o capitalismo ─ que rege o que pensamos, dizemos etc.
Repetir todas as falas do capitalismo é considerado normal. É como se fosse a própria realidade. ─ Falar qualquer coisa fora do discurso do capitalismo, aí já é vandalismo. É “ideologia”.
(Como se repetirmos todas as falas do capitalismo, não fosse).
Dadas essas premissas, nenhum debate consegue ir a lugar nenhum. ─ No máximo, se algum argumento causar constrangimento, cairemos no célebre… “vamos aguardar” ─ que é sempre uma boa saída, para encerrar (quando complica), e deixar para outra ocasião (onde talvez se possa prosseguir, sem argumentos constrangedores).
Não digo isso para criticar nenhum dos colegas que se exprimiu até agora, muito menos o OP que colocou a questão. ─ Nasci e cresci no capitalismo, aprendi que “o homem” iria conquistar o espaço, e que “a ciência” iria descobrir a cura do câncer, e que “a medicina” nos faria viver mais de 100 anos, na maior saúde e felicidade. ─ Hoje, nenhum dos colegas há de discordar, se eu fizer um adendo… “para os que possam pagar”.
Décadas depois, comecei a ler tudo sobre administração, marketing, empreendedorismo, coaching, downsizing, downgrading, resizing etc., ─ e vi que não existe “ciência” alguma nisso tudo. As palavras são esquivas, os conceitos são vagos, as frases “não fecham”, e assim por diante. ─ Se eu disser que é “tapeação”, “enganação”, receio que não estaria muito longe da verdade. Mas seria imediatamente apedrejado, claro.
Nesse meio tempo fui jornalista profissional, e percebi que todas as publicações são inteiramente comprometidas com isso. ─ Depois, surgiu a internet, e sonhamos com publicações “livres”. Até fiz uns sites, depois experimentei LAMP com vários CMS (que acabam exigindo muita habilitação técnica), por fim migrei para os blogs gratuitos, pois hoje valorizo o sossego e a tranquilidade. ─ E percebi que o tal “SEO” (leia-se: obedecer ao Google) reduz o “empreendedorismo” de milhões de ingênuos a uma servidão perante enormes corporações globais.
O blogueiro que tenta “alcançar resultados” não passa de um uberizado de bicicleta, trabalhando para gerar lucro para outros, em regime que pouco se diferencia da escravidão ─ física, para o entregador em sua bicicleta amarrada com cuspe e barbante; moral e intelectual para o blogueiro obediente às novas exigências, diariamente impostas pelo Google.
O blogueiro terá de abrir mão de qualquer “ideia”, que pudesse ter, para se dedicar ao “assunto popular do momento” (e aí, um colega pergunta, “uai, cadê os usuários do openSUSE?”… o Gato comeu! Se você precisa ganhar um mínimo, no final do mês, fale do Ubuntu, Mint, no máximo, Manjaro). ─ Depois, terá de abrir mão de critérios técnicos, e “apostar” em fofocas e futricas, tipo, “Descoberta brecha de segurança XYZ”, de preferência com linguagem assustadora. Se alguém disser que vivemos “a era do terrorismo”, não estará longe da verdade. O sucesso financeiro está diretamente ligado à execução de tarefas que despertem, alimentem e mantenham as pessoas +/- aterrorizadas.
O resultado é que, nascemos, crescemos, aprendemos… aquilo que os “publishers” são induzidos a nos oferecer. ─ E nossa tendência é “pensar”, “raciocinar”, em cima disso. ─ Não quero criticar ninguém, “pessoalmente”. Aos 20, eu achava que sabia tudo. Aos 30, tinha mudado radicalmente, e achava que agora, sim, sabia algo. Aos 40, comecei a perceber que quase tudo que eu “sabia” repousava sobre bases falsas. Aos 50… Aos 60… Bom, ainda não cheguei aos 70, mas aprendi a não confiar em nada do que, supostamente, “sei”.
Muitos pensadores da década de 60 já alertavam, mas é claro que naquela época eu não confiava em ninguém com mais de 30 anos, né. ─ Hoje, acho que a coisa toda é muito pior, do que eles advertiam.
Che faz guerrilha contra o capitalismo? Vira produto de consumo… do capitalismo!, em camisetas e tudo mais.
Vi discussões de todos os tipos. ─ Ah, precisamos “sair do sistema”, para atacá-lo, explodi-lo. ─ Não! Precisamos entrar nele, para agir dentro dele, amenizá-lo, mudá-lo, torná-lo humano… (ou, in extremis, explodi-lo por dento).
Foi nesse “contexto” que bravos rebeldes imaginaram, criaram, desenvolveram o GNU-Linux (entre outras coisas). Assoberbado pela ralação diária pelo feijão-com-arroz de cada dia, assisti de longe, na década de 90, e só pude tentar experimentar na década de 00. E já vamos a caminho da década de 20.
Em cada uma dessas décadas, “vi” o Linux ─ e a “filosofia do Linux” ─ de um modo diferente. A gente vai evoluindo (segundo a “mídia” nos diz para “ver” e “pensar”, claro).
É melhor eu não falar do Conselho da Fundação Debian, nem de tantas outras futricas, que todos vocês conhecem, até mais do que eu.
Flatpak, AppImage, Snaps ─ todos vocês já analisaram, discutiram, e sabem 1.000 vezes mais do que eu, sobre uma infinidade de aspectos “técnicos”. ─ O que nunca vi ninguém parar para pensar 1 minuto, é que isso quebra a “solidariedade”.
Por que iria “eu, desenvolvedor”, investir na consistência de uma distro, ou do Linux em geral, ─ se agora eu tenho uma ferramenta para meu “sucesso financeiro individual”?
E… desculpem o “textão”… chego à questão colocada pelo OP ─ “O dilema empresarial do software livre (Office)”.
É por aí que eu devia ter começado ─ já que esta foi a questão colocada pelo OP. ─ Mas é aí que, levando em conta tudo que escrevi (acima), até desanimo de tentar comentar.
“Empresarial”?.. “Software livre???”…
Que linguagem deveremos usar nesse debate? A linguagem do capitalismo? A linguagem do sonho do GNU-Linux? E se fugirmos um pouquinho, que seja, da linguagem do capitalismo, seremos acusados de “ideologia”? (como se a linguagem do capitalismo não fosse “ideologia”?).
Em suma, queremos discutir a questão, privilegiando o capitalismo? Vamos apedrejar quem ousar criticá-lo?
E aliás, existe alternativa ao capitalismo? Existe alguma perspectiva de “civilizá-lo” (pois é selvagem e sempre será!), amansá-lo, educá-lo, ensiná-lo a só usar faca para cortar bife na mesa?
Ok, não acrescento absolutamente nada de “concreto”, sobre a questão colocada pelo OP.
Mas se 1 ou 2 de vocês sentirem alguma dúvida, e questionarem 1 ou 2 aspectos do debate… acho que já terei contribuído, por pouco que seja, para o debate se tornar mais aberto.
Caso contrário, apenas ignorem.
Eu vou continuar ignorando aquele papo de “ain, uma torneira pingando é o fim do planeta”, ─ enquanto a água de regiões inteiras é desviada para um “mineroduto” destinado a levar toda a nossa “riqueza mineral” a preço de banana, para benefício de outros países.
Sim, é preciso questionar cada 1 daquelas coisas que nos parecem tão “certas”, tão “óbvias”. ─ Pois nunca sei, quem se beneficia de cada coisa que aprendi a achar que são “certas” e “óbvias”. ─ Todas que analiso, se mostram absolutamente erradas.